Um dos fundadores da rede mineira Ricardo Eletro, o empresário Ricardo Nunes, fechou Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) referente às acusações de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro pelo período em que esteve à frente da varejista de eletrodomésticos.
Embora o rombo causado pela falta de repasses do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) ao Estado por anos seja superior a R$ 400 milhões, o acordo judicial estabeleceu o pagamento de R$ 2 milhões para dar fim às ações penais em curso.
A reportagem teve acesso, com exclusividade, ao documento assinado em novembro do ano passado por Nunes, seu advogado, Marcelo Leonardo, e o promotor de Justiça Fábio Reis de Nazareth. O acordo, considerando a confissão do empresário sobre sua participação nas denúncias, determinou a revogação das medidas cautelares restritivas, entre elas, o bloqueio de bens móveis e imóveis assim que homologado, o que já ocorreu.
Vale dizer que os imóveis e ativos do empresário que haviam sido sequestrados em ação do MP para pagar o Fisco mineiro somavam mais de R$ 100 milhões em valor de mercado. E que a negociação também traz cláusula que dispensa o empresário da reparação do dano ao erário, “tendo em vista que se encontra em curso recuperação judicial do grupo econômico do qual faz parte a empresa, de forma que eventuais pagamentos devem obedecer à ordem legal de quitação de créditos prioritários e ao plano aprovado pelo juízo competente”.
Neste sentido, a Secretaria de Estado da Fazenda (SEF), por meio Advocacia Geral do Estado (AGE), se manifestou contrária ao acordo, alegando que o valor acordado representa 0,5% do crédito tributário devido, que os bens sequestrados seriam a única forma de o fisco reaver os valores não pagos de ICMS e que a recuperação judicial não envolve pagamento de crédito tributário no seu plano.
AGE se manifestou contra acordo de Ricardo Nunes com MP em relação às dívidas da Ricardo Eletro
Em seu manifesto, a AGE reportou que o acordo, “sem garantia da recuperabilidade, sem nenhuma cláusula ou condição que resguarde o pagamento do crédito tributário, diante da comprovação da existência de meios para fazê-lo” seria evidentemente danoso à sociedade mineira. E requereu a não homologação do mesmo.
“Em um débito superior a R$ 400 milhões, quitar apenas R$ 2 milhões – em verbas trabalhistas decorrentes de sentenças transitadas em julgado – não possui o mínimo condão de pretender ser suficiente e necessário para reprovação e prevenção do habitual crime de apropriação indébita do ICMS em inadimplência contumaz”, diz parte do manifesto, ao qual o DIÁRIO DO COMÉRCIO também teve acesso com exclusividade.
No entanto, a reportagem apurou que o acordo já foi homologado e o pagamento dos R$ 2 milhões depositado no Fundo Especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (Funemp) e será destinado à quitação de condenações transitadas em julgado de ações trabalhistas da Ricardo Eletro.
De acordo com o sócio do escritório Lima, Lannes e Pozzolo Sociedade de Advogados, Hugo Henrique Lannes Araújo, que atua na área do Direito Penal, o Acordo de Não Persecução Penal é um benefício previsto em lei e que conta com alguns critérios para ser fechado, entre os quais o crime supostamente ter sido cometido sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos. E, embora sigiloso, as partes agiram dentro de conveniência e autonomia ao avaliarem as circunstâncias concretas.
Ainda conforme Lannes, caso o acusado venha a responder por uma nova ação penal em um período de cinco anos, não poderá fazer um novo acordo. Em relação às contestações do Estado, ele lembrou que não havia impedimento para o ANPP.
“Além disso, o acordo não interfere no direito do Estado de realizar a cobrança de eventuais créditos tributários não prescritos e devidos em razão da prática do crime por meios próprios, considerando que o ANPP, neste caso, diz respeito apenas à esfera criminal, não tendo sido reparado o dano sofrido pelo erário”, disse.
A reportagem procurou os advogados de Nunes, que preferiram não comentar o acordo e o Ministério Público não respondeu aos insistentes contatos da reportagem. A Ricardo Eletro, que segue com seu plano de recuperação judicial em curso, também não quis comentar a respeito.
Já a AGE disse, por nota, que o Estado não é partícipe do acordo, que é discricionariedade do MPMG e, por essa razão, não recorrível, nos termos do Inciso XXV do 581 do Código de Processo Penal (CPP). Mas ressaltou que a negociação não elimina o processo tributário que segue em andamento.
O que aconteceu com a Ricardo Eletro?
A Ricardo Eletro foi fundada em 1989 pelo empresário Ricardo Nunes, no interior de Minas Gerais. A empresa chegou a ter 1,2 mil lojas e a faturar R$ 9,5 bilhões. No auge das operações ocupava grande fatia do mercado ao lado de gigantes como Casas Bahia, Ponto e Magazine Luiza.
Com uma dívida superior a R$ 4 bilhões, a empresa entrou com processo de recuperação judicial em agosto de 2020. O plano foi aprovado em setembro de 2021 por 75% dos credores, mas ainda aguarda homologação.
Em 2022, a Justiça decretou a falência da empresa por três vezes, todas posteriormente revertidas. A última delas resultou na retomada do e-commerce meses depois.
Na época, a Máquina de Vendas afirmou ao DIÁRIO DO COMÉRCIO que entendia que a fase mais difícil de seu processo de recuperação judicial havia acabado com a aprovação da assembleia de credores. E que o foco estava voltado para a estabilidade operacional e aumento de faturamento da companhia.
A meta era encerrar 2022 com faturamento (GMV – valor bruto de mercadoria) mensal acima de R$ 100 milhões. O resultado, no entanto, não foi atingido, segundo Bianchi. “A falência causou um breque na empresa. Tivemos que parar tudo. Estamos retomando do zero, o que faz com tenhamos expectativa realista de faturar R$ 50 milhões em 2023”, revela.
Fonte: Diário do Comércio