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A Receita Federal abriu, nesta terça-feira (1/10), dois canais de diálogo com os contribuintes, com o objetivo de solucionar litígios tributários de forma consensual. A proposta está sendo levada à cabo através de dois programas, o Receita de Consenso e o Receita Soluciona, por meio dos quais os contribuintes com boa classificação em programas de conformidade e as entidades de classe poderão recorrer à Receita em caso de dúvidas relacionadas à tributação.

A Receita não tem estimativas sobre o número de contribuintes que devem aderir à proposta ou a arrecadação decorrente das medidas. Em coletiva de imprensa realizada nesta terça, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que um aumento da entrada de recursos aos cofres públicos deve ser um “efeito colateral”, mas não é o principal foco das alterações. “Essa não é uma medida arrecadatória diretamente. Ela acaba tendo certamente um efeito arrecadatório, porque o litígio implica em não recebimento do tributo”, afirmou.

O Receita de Consenso e o Receita Soluciona constam nas portarias 467/2024 e 466/2024 , respectivamente. De acordo com os textos, em caso de acordo as companhias não poderão ser autuadas, mas terão que abrir mão de processos administrativos e judiciais.

Apesar de considerarem a medida salutar, representantes dos contribuintes questionam o que ocorrerá nas situações em que não houver acordo entre Receita e companhias. Neste caso, há o temor de que, assim como ocorre atualmente com as soluções de consulta, os contribuintes fiquem mais “expostos” a autuações fiscais.

Receita de Consenso
Previsto na portaria 467, o Receita de Consenso é voltado para empresas com boa classificação em programas de conformidade da Receita, ou seja, participantes do Confia, do OEA ou companhias com nota A+ no Sintonia. A norma prevê a criação do Centro de Prevenção e Solução de Conflitos Tributários e Aduaneiros (Cecat), que receberá as demandas das empresas e tentará, por meio de consenso, chegar a uma solução.

As companhias poderão levar temas ao Cecat mesmo que já haja procedimento fiscal instaurado. Por outro lado, a Receita não analisará as demandas caso haja indícios de fraude, sonegação, descaminho e crimes contra a ordem tributária. Ainda, não poderão ser apresentados ao centro os fatos geradores com prazo de decadência inferior a 360 dias.

Após a apresentação da questão, a Receita convocará o contribuinte para audiências, onde será buscado o consenso. Para decidir se admite ou não o tema, o Cecat analisará, entre outros tópicos, se a matéria é controvertida, qual o grau de incerteza sobre os fatos tributários ou aduaneiros apresentados e a jurisprudência sobre o tema na Justiça e na esfera administrativa.

Por fim, caso haja consenso, será lavrado um termo de consensualidade, e a Receita não poderá autuar o contribuinte por aquele fato específico. A empresa, por outro lado, terá que renunciar ao contencioso administrativo e judicial sobre o assunto.

A alteração teve boa aceitação entre tributaristas ouvidos pelo JOTA. “Já de longa data é necessário olharmos para a conformidade fiscal como uma medida de prevenção de litígios, e não exclusivamente para as formas de resolução de litígios”, afirmou a advogada Andréa Mascitto, do Pinheiro Neto Advogados.

Há, entretanto, tributaristas que apontam que, no caso em que contribuintes e Receita não chegarem a um acordo, a portaria prevê apenas o encerramento do procedimento consensual. Há o temor de que nestas situações a empresa, na prática, chame a atenção da Receita e acabe sendo autuada pelos fatos que foram debatidos.

“O que me pareceu mais desafiador foi o fato de não haver nada específico sobre o que acontece quando não há o consenso. O procedimento deve ser considerado concluído e, ato subsequente, o mais provável é que o contribuinte receba um auto de infração. Nesse caso, o auto deverá vir com a multa de ofício, etc”, diz a advogada Luciana Aguiar, sócia do Alma Law.

O tributarista Leonardo Branco, especialista em Direito Tributário, Direito Aduaneiro e Wealth Management, expõe a mesma preocupação. “Quando adere ao procedimento, o contribuinte é estimulado a explicitar a sua interpretação dos fatos, fornecendo um panorama completo e detalhado das suas operações. Então, é bastante razoável afirmar que o procedimento pode deixar o contribuinte mais exposto a uma autuação, caso o consenso não seja alcançado”, pontua.

Na coletiva desta terça, representantes da Receita salientaram que o Receita de Consenso estará disponível a um número reduzido de empresas: os participantes do OEA, os ranqueados como A+ no Sintonia e os 20 participantes do piloto do Confia. “Importante esclarecer que são pessoas que estão com algum potencial conflito e querem trazer para o consenso. Então não é todo contribuinte do Confia, do OEA ou A+ que buscarão a Receita Federal. É um subconjunto desse universo”, afirmou Adriana Gomes Rêgo, secretária especial adjunta da Receita.

O secretário Robinson Barreirinhas destacou ainda que, ao implementar essas classificações, a Receita está se adiantando ao Projeto de Lei (PL) 15/2024, que institui os três programas de conformidade. A proposta foi apresentada no começo do ano, porém travou por discordâncias entre empresas e Receita em relação à definição de devedor contumaz.

Receita Soluciona
Divulgado através da Portaria 466, o Receita Soluciona, segundo Barreirinhas, é um “canal vip” entre algumas entidades de classe e a Receita. Assim como no Receita de Consenso, serão levadas à administração pública questões tributárias, porém, neste caso, o encaminhamento será feito por entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e centrais sindicais.

“À rigor nós estamos abrindo um canal para que as entidades que nós queremos que sejam cada vez mais parceiras da Receita Federal possam ajudar a evitar o litígio”, afirmou nesta terça o secretário Robinson Barreirinhas.

Segundo o secretário, os dois novos programas fazem parte de uma mudança de pensamento da Receita, que quer ser uma “parceira” dos contribuintes. “Estamos em um esforço muito grande de gastar menos energia no sentido da punição do contribuinte e muito mais energia no sentido de orientar o contribuinte e solucionar os seus problemas”, disse.

Fonte: Jota Pro