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Os ministros da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negaram nesta terça-feira (5/11) o direito do contribuinte de realizar a amortização de ágio interno. Por unanimidade, em julgamento inédito no colegiado, os ministros concluíram que houve “abuso do direito do ágio”, pois a empresa teria realizado operações internas sem propósito negocial apenas para reduzir o pagamento de tributos. O caso concreto envolve um valor de R$ 16 milhões deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Mas, segundo a Fazenda Nacional, considerando todos os casos de ágio interno em discussão, o valor chega a R$ 100 bilhões.

O entendimento é distinto do tomado pela 1ª Turma, o que deve fazer com que os contribuintes tentem levar o caso à 1ª Seção, responsável por uniformizar o entendimento das turmas de direito público do tribunal. Além disso, para procuradores da Fazenda, a decisão de hoje pode incentivar os contribuintes a aderir a um edital de transação tributária que pode ser lançado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ainda em 2024. O objetivo da transação será negociar valores referentes à dedução de ágio da base do IRPJ e da CSLL, o que inclui o ágio interno.

Entenda o caso
O ágio é formado quando uma empresa adquire outra por valor superior ao de seu patrimônio líquido, passando, então, a deduzir a diferença do IRPJ e da CSLL. No ágio interno, as operações são realizadas entre empresas do mesmo grupo econômico.

De um lado, a Viação Joana D’Arc argumentou que a operação ocorreu antes da vigência da Lei 12.973/14, que proibiu a amortização do ágio interno. O advogado da empresa, Danilo de Araújo Carneiro, alegou que várias empresas realizaram reestruturação societária, com base nos artigos 7º e 8º da Lei 9.532/1997, que autorizam a dedução do ágio gerado em absorção de patrimônio de uma empresa por outra da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Carneiro defendeu a importância de se validar essas operações para garantir segurança jurídica aos contribuintes que, enfatizou, cumpriram a lei.

De outro lado, a Fazenda Nacional pontuou que houve a criação de uma estrutura artificial com o uso da incorporação reversa. Na prática, a empresa que foi comprada em um primeiro momento se torna a compradora em um segundo. No caso concreto, a Fazenda argumentou que a empresa Viação Joana D’arc S.A. primeiro transferiu suas ações para a Sodam Participações. O capital social da Sodam passou de R$ 1 mil para R$ 16 milhões nesse ato. Em um segundo, a Viação Joana Joana D’arc S.A. incorporou a Sodam Participações.

Em sustentação oral, o procurador da Fazenda Nacional Ricson Moreira argumentou que a Viação Joana D’arc S.A se “fantasiou” de Sodam Participações, voltou a ser Viação Joana D’arc S.A, “trouxe na bolsa R$ 16 milhões para a sua contabilidade em curto espaço de tempo sem exercer qualquer atividade comercial” e passou a deduzir esse valor da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. “O fato de em 2014 a legislação proibir expressamente o ágio interno é um traço até da nossa cultura de precisar de uma lei para dizer o óbvio. O ágio ocorre quando há relação entre partes independentes”, defendeu Moreira.

Criação de estrutura artificial
O relator, ministro Francisco Falcão, concluiu que, no caso concreto, houve a criação de uma pessoa jurídica “sem correspondência no mundo real” (a Sodam), apenas para servir como “transmissora de ágio meramente contábil no contexto da incorporação reversa”. O ministro ponderou que as normas que autorizaram a amortização de ágio buscaram regular “operações societárias usuais, em que a dinâmica do mercado promovia um regime de circulação de capital e potencialização e resultados nos diversos segmentos econômicos”. Em outras palavras, o ministro discordou justamente da falta de propósito econômico nas operações. Para o ministro, no caso concreto, houve “abuso do direito de ágio” e criação de estrutura artificial para economizar tributos. “O abuso do direito materializado na amortização do ágio gerado em operações internas sem qualquer propósito negocial, desrespeitou ordenamento jurídico vigente à época dos fatos”, concluiu o relator.

O advogado da Viação Joana D’Arc disse ao JOTA que deve recorrer da decisão. Primeiro, por embargos de declaração, que buscam sanar omissão, obscuridade ou contradição. Depois, por embargos de divergência, para levar o caso à 1ª Seção.

Para alegar a divergência, o contribuinte deve contrapor o resultado ao julgado da 1ª Turma no REsp 2026473/SC. Em setembro de 2023, em julgamento inédito, a 1ª Turma decidiu favoravelmente ao aproveitamento de ágio entre partes relacionadas. Na ocasião, o relator, ministro Gurgel de Faria, destacou que a legislação anterior a 2014 exigia apenas a confusão patrimonial entre quem detém a participação societária e a empresa adquirida, não fazendo referência à figura do real adquirente e não vedando o ágio interno. No caso concreto, Faria concluiu que não houve demonstração de que as operações teriam sido artificiais.

Para procuradores da Fazenda, a decisão não é totalmente negativa, já que o acórdão da 1ª Turma, por vedação da Súmula 7 do STJ (que proíbe a reanálise de fatos), considera apenas o cenário fático narrado no acórdão do tribunal de origem e não autoriza o ágio interno de modo indiscriminado. A decisão da 1ª Turma deixa expresso que o fisco tem a competência de demonstrar, caso a caso, a artificialidade das operações.

O caso concreto foi julgado no REsp 2152642/RJ.

Fonte: Jota