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Imagens de uma comemoração no Carf circulou no meio tributário na última semana. Dentre os grupos da comunidade tributária, houve algum constrangimento, inclusive por parte de advogados, auditores fiscais e conselheiros do próprio órgão. Foi o “show do trilhão” organizado pelo Carf, celebrando o julgamento de processos administrativos fiscais que totalizaram a ordem de R$ 1 trilhão em 2024.

O nome dado foi uma alusão ao programa de TV comandado pelo saudoso apresentador Silvio Santos. A festa teve parabéns e bolo com bexigas e decoração de gosto particular, contando com a presença maciça de conselheiros representantes da Fazenda Nacional.

Afastado da ideia de que quantidade não é qualidade, o feito não deveria ser motivo de orgulho ou comemoração.

Primeiro porque a existência destes números em um contencioso administrativo federal é literalmente uma vergonha em nosso país, sendo fruto de um sistema tributário ineficiente e de péssima qualidade, fomentado por normas mal feitas e por um Fisco sedento para arrecadar a qualquer custo, mantendo, não raramente, exigências ilegais e abusivas. São decisões que, com frequência muito além da desejada, firmam posições contrárias ao direito sedimentado nas Cortes Superiores do Poder Judiciário do país.

Como exemplo, a mais recente arbitrariedade do órgão, a edição da Súmula Carf nº 210, que responsabiliza empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza solidariamente pelo cumprimento das obrigações previstas na legislação previdenciária, sem necessidade de o Fisco demonstrar o interesse comum, de forma completamente contrária à jurisprudência do STJ (EREsp nº 834.044/RS e outros) e do STF (tema nº 13). Há “n” outros exemplos, como, para não muito me estender, relacionados à terceirizações de atividades e ao creditamento de PIS e Cofins.

Em segundo lugar, a comemoração é desumana, olvidando-se que por trás de cada um destes processos julgados, há seres humanos com família, liberdade e patrimônio em risco. Não faço destacada referência a sonegadores contumazes – embora também devam ser tratados com humanização -, mas aqueles que foram alvo da voracidade exacerbada e abusiva da administração fazendária.

Há, dentre eles, contribuintes septuagenários ou octogenários que, mesmo dispondo do Judiciário para combater indesejadas decisões do Carf contrárias à lei, dificilmente estarão vivos para ver o trânsito em julgado dos processos judiciais necessários à anulação de tais débitos fiscais. E mesmo os que verem, experimentarão o patrimônio acumulado durante uma vida inteira bloqueado por penhoras nas décadas de litígio.

A festinha no Carf é uma espécie de pagode no velório.

Enfim, seja como for, a discrição dos agentes públicos deveria estar inserida no campo do dever da moralidade, especialmente quando, com telhado de vidro de quem representa o maior causador de litígios indevidos do país, gabam-se pela quantidade ao invés da qualidade.

O dia que planejarem uma festa para celebrar a total aderência do Carf à jurisprudência judicial, o absoluto respeito pelos contribuintes vencidos às decisões do Carf (por reconhecerem a sua autoridade) ou, ainda, pelos trilhões de autos de infração que deixaram de ser lavrados por interpretações normativas isentas ou por orientar ao invés de punir, reservem o estádio do Maracanã para a festinha. E, mais do que isso, escolham um bolo melhor decorado.

Fonte: Valor Econômico