Principal aposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva neste ano, o projeto de reforma do Imposto de Renda (IR), que prevê isentar quem ganha até R$ 5 mil mensais, foi enviado pela equipe econômica com espaço para modificações pelo Congresso, mas a conta final precisará fechar, afirma Marcos Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda e um dos formuladores da proposta.
Para compensar a isenção, o governo propôs criar um imposto mínimo de 10% para rendas acima de R$ 1,2 milhão por ano. Essa taxa vai incidir sobre quase todas as receitas da pessoa física, com exceções como poupança e herança. Isso vai incluir tributos sobre dividendos (que hoje são livres de impostos).
— O país não enfrenta uma situação que permita perda de arrecadação — afirma o secretário. — Tem espaço para atingir o mesmo resultado em termos de arrecadação com diferentes calibragens.
Ele considera que a escolha do deputado Arthur Lira (PP-AL) para relatar a reforma deve facilitar as discussões sobre o projeto. Além de ter boa interlocução com a Fazenda e conhecimento técnico, o ex-presidente da Câmara sempre indicou compromisso com a responsabilidade fiscal, afirmou.
Pinto é responsável por uma série de projetos que se tornaram marcas da gestão de Fernando Haddad e do próprio governo, como a negociação de dívidas Desenrola e, mais recentemente, o Crédito do Trabalhador, de concessão de empréstimos consignados a empregados da iniciativa privada. Ele também ajudou na formulação do Pé-de-Meia, voltado para alunos do ensino médio.
Como o senhor recebeu a indicação de Arthur Lira (PP-AL) como relator do projeto do IR?
Achei muito bom. Ele demonstrou, nesses anos que esteve na presidência da Câmara, um compromisso muito grande com a responsabilidade fiscal. Um dos temores do mercado é ter a isenção do IR sem a compensação adequada. O fato de o ex-presidente da Câmara ser o relator nos ajuda muito nisso. Além disso, ele tem familiaridade com o tema, o que leva a uma discussão mais técnica.
Lira já deu indicações nos bastidores de que pretende resgatar ideias do projeto para tributar dividendos enviado pelo ministro Paulo Guedes no governo passado. Desagrada à Fazenda?
Estamos abertos à discussão. A intenção do projeto do ministro Paulo Guedes era reduzir a tributação da pessoa jurídica e compensar isso com a tributação dos dividendos. A avaliação ao final é que se perdia a arrecadação. Acho nossa solução tecnicamente melhor do que a anterior. Se isenta (da tributação de dividendos) qualquer companhia que fatura até R$ 4,8 milhões (por ano), como na proposta anterior, tem um incentivo muito grande para a fragmentação de empresas.
Além disso, trata da mesma forma uma loja, na qual o proprietário fica com uma margem pequena, e uma prestadora de serviços de um profissional liberal que retira quase tudo como dividendo. Na nossa proposta, tributamos a renda final distribuída para a pessoa física e da maneira mais correta, que é com alíquotas progressivas.
Quais são as balizas inegociáveis, para a Fazenda, nessa discussão?
Primeiro, a responsabilidade fiscal. Tem que haver neutralidade. O país não enfrenta uma situação que permita perda de arrecadação. Mas é muito importante também a justiça social. O trabalhador assalariado paga muito mais imposto do que quem vive de dividendos, mesmo levando em conta o imposto já pago na pessoa jurídica. Precisamos reverter essa situação.
Há espaço para modificar as alíquotas?
Acredito que sim. Tem espaço para atingir o mesmo resultado em termos de arrecadação com diferentes calibragens. Então, tem espaço. É uma escolha da sociedade. Em que ponto começa a tributar? Qual a alíquota máxima? Qual a escala dessa alíquota? Vai ser muito interessante que a sociedade faça essa discussão abertamente.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) já apresentou uma proposta alternativa ao projeto do governo prevendo, por exemplo, redução linear de isenções fiscais. Ela é bem-vinda?
Os princípios são bons e convergentes. Na nossa opinião, a maneira mais equilibrada e justa de fazer a eliminação de gastos tributários é com o imposto mínimo. Porque em vez de atingir gastos tributários um a um, você está fazendo pelo atacado e de uma forma socialmente justa, ao só tributar aquele que ganha mais.
Por que a proposta que modifica a tributação sobre aplicações financeiras não avançou?
Não conseguimos atacar todos os problemas ao mesmo tempo. No caso das aplicações financeiras, existe no Congresso um forte apoio aos benefícios que são destinados para os setores agrícola e imobiliário. Então, nesse momento, não temos nem condições de fazer um debate sobre eles. Preferimos deixar essa discussão para um momento posterior.
O programa de crédito consignado para trabalhadores do setor privado está com alta procura. O governo calcula risco de endividamento das famílias com a medida?
A beleza do programa é que ele vai permitir que o cliente troque uma taxa de juros média de 6% a 7% (ao mês) por uma taxa mais próxima de 3%, talvez até bem menos no futuro. Esse é o uso adequado do produto. Não é incentivar o consumo irresponsável.
O papel do governo é eliminar a ineficiência para que as pessoas possam ter o crédito o mais barato possível, em qualquer situação, qualquer que seja a decisão delas. Mas também é papel do governo ensinar, e devemos muito para a sociedade em termos de educação financeira.
Com o consignado e com a proposta do IR, a equipe econômica tenta dar mais liquidez e poder de consumo às famílias em um momento em que o Banco Central está precisando subir os juros. Isso não é contraditório?
Não podemos deixar que injustiça se perpetue e que a população continue pagando taxas de juros absurdas por uma questão circunstancial. Precisamos fazer a reforma e lidar com as consequências. Até porque, no longo prazo, são essas reformas que vão permitir ter crescimento sustentável e taxas de juros menores. Não faz sentido adiar esse tipo de esforço.
Ainda na linha de facilitação a empréstimos, como será a proposta de usar o Pix como garantia para crédito?
Será um financiamento para microempresário. Hoje em dia, quando o microempresário vai pegar um crédito, a única coisa que ele tem para dar em garantia são os recebíveis do cartão de crédito. Só que o cartão de crédito em alguma medida está sendo substituído pelo Pix. Queremos criar uma tecnologia para que os empresários possam descontar o fluxo futuro de recebimento do Pix. E fazer isso na mesma lógica do consignado, de maneira automática, reduzindo o risco para o banco e reduzindo a faixa de custos. Mas isso é mais para o que vem.
Outro programa que o senhor ajudou a formular, o Pé-de-Meia precisa entrar no Orçamento, por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). Como isso será feito?
É interessante essa discussão, porque não vejo como implementar o programa sem passar por um fundo (como é hoje, operadora “fora” o Orçamento). Parte dos recursos do Pé-de-Meia vão, infelizmente, voltar para o Orçamento. No caso do aluno que não completar o ensino médio, o recurso vai voltar. Agora, houve um desconforto da sociedade com esse mecanismo. Não vamos eliminar o fundo, mas vamos assegurar dentro do Orçamento, de maneira mais clara, todas as fontes para o Pé-de-Meia. A grande questão é qual o momento em que essa despesa deve ser computada. Temos compromisso com o TCU de fazer resolução agora.
Um dos projetos elencados ao Congresso como prioritários pela Fazenda neste ano é de resolução bancária. A situação do Banco Master, em processo de compra pelo BRB, pode ajudar a levá-lo adiante?
Acredito que sim. Infelizmente, há uma tendência a se preocupar com esses temas só quando há uma situação que exija cuidados. É um projeto muito importante para o país. Não comento casos específicos, porque é uma atribuição do Banco Central.
Mas, depois de 2009, teve uma série de lições sobre como lidar com instituições financeiras em crise, e esse é um tema muito relevante. Até para proteger o próprio Tesouro de ter que salvar empresas e usar dinheiro do contribuinte para salvar bancos. E essas lições não estão refletidas na nossa legislação hoje.
Fonte: O Globo