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Um novo convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) sobre ICMS torna opcional – e não mais obrigatória – a transferência de créditos no envio de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. Apesar de ser um pleito das empresas, essa liberdade tem um preço: se a companhia escolher manter os créditos no Estado de origem, corre o risco de não conseguir aproveitá-los de forma integral. O que, para tributaristas, pode provocar uma nova guerra fiscal.

O Convênio ICMS nº 109, publicado na última semana, revoga o anterior sobre o assunto, de nº 178/2023. Essa regulamentação foi uma exigência dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49. Eles definiram, em modulação realizada em abril de 2023, que a partir deste ano, não poderia mais ser cobrado ICMS nessas transferências de mercadorias e deram prazo aos Estados – até o fim do ano passado – para a edição de uma norma para tratar do uso dos créditos.

Após o julgamento, foi editada a Lei Complementar (LC) nº 204/2023, que tornava obrigatória a transferência dos créditos ao Estado de destino das mercadorias, o que foi mantido no primeiro convênio editado pelo Confaz, de nº 178. A medida, para especialistas, restringiria a decisão do Supremo.

Porém, agora, dizem, um novo problema surgiu com a edição do novo convênio. Estaria no parágrafo único da cláusula primeira. O dispositivo afirma que, na transferência, as unidades federativas são obrigadas a assegurar “apenas a diferença” entre o crédito de ICMS apurado na operação e a alíquota interestadual – ou seja, com uma alíquota interna de 18% e interestadual de 12%, o contribuinte só teria direito a 6%.

Portanto, de acordo com advogados tributaristas, o Estado que passar a oferecer mais que essa diferença se tornaria mais atrativo. O que, para eles, poderia gerar nova guerra fiscal.

O convênio dá ainda uma outra opção ao contribuinte: não transferir os créditos de ICMS ao Estado de destino das mercadorias e tributar normalmente a operação, o que vai de encontro à decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal na ADC 49. A possibilidade está na cláusula sexta do novo convênio.

O ideal, para os contribuintes, é que esse envio seja opcional e os créditos possam ser geridos livremente, pois a depender do Estado de origem e destino, pode ser bom ou não enviar esses valores. Algumas empresas, inclusive, foram ao Judiciário garantir esse direito e obtiveram decisões favoráveis.

Para efeitos de planejamento tributário, também entra nessa equação eventuais benefícios fiscais oferecidos pelos Estados e o próprio acúmulo de créditos, que podem servir para abater ou pagar integralmente os tributos estaduais, sem comprometer o caixa da companhia.

A opção de considerar a operação como tributada serve justamente para aqueles que não querem perder os benefícios fiscais. “Muitos Estados de origem consideram que esse tipo de operação com a transferência é suficiente para invalidar um benefício fiscal”, afirma o tributarista Guilherme Tostes, sócio do Bichara Advogados. “Ao tratar a operação como tributada, pelo menos tem o conforto de que o Estado não vai invalidar o benefício”.

Para Tostes, por conta de o novo convênio revogar a obrigatoriedade da transferência prevista no anterior, ele está “mais alinhado à decisão do Supremo na ADC 49 e à Lei Complementar nº 204 editada pelo Congresso”.

Mas há alguns problemas, acrescenta o advogado, como determinar que a empresa escolha uma das duas sistemáticas (transferir os créditos ou tributar a operação) e exigir que se mantenha nela por um ano, adotando-a em todos os estabelecimentos do país. Essa previsão não estava na lei complementar.

“É a boa e velha ilegalidade do Poder Executivo que tenta criar normas sem amparo na lei”, diz Tostes, lembrando que a opção deve ser informada aos governos estaduais até o final do mês de novembro.

Outra ilegalidade está, segundo ele, nas diferentes bases de cálculo previstas na entrada e na saída de mercadorias, o que também não poderia ser feito pelo Confaz. A norma prevê três tipos de base para a operação: valor médio da entrada da mercadoria, custo da mercadoria produzida e custo da produção em geral. Para Tostes, “o convênio extrapolou seu poder regulamentar” também nesse ponto.

Em uma dessas bases, segundo Ana Flora Diaz, sócia do escritório HRSA Advogados, a mão de obra é desconsiderada, o que, para ela, “não faz sentido”, pois faz parte do custo do produto. Na norma anterior, tinha que ser considerada a entrada da mercadoria mais recente. “Na ponta do lápis, vai impactar em custo, mas não necessariamente reduz o valor do crédito”, diz. Isso vai depender muito caso a caso. “Cada empresa vai ter que fazer a lição de casa de novo e ver se talvez volte a valer a pena fazer a transferência.”

Na visão dela, o parágrafo único, que assegura um mínimo de crédito a ser transferido, “abre brecha para uma nova fase da guerra fiscal”, a depender de como for feita a regulamentação e internalização pelos Estados do convênio. “Se está falando que a unidade de origem vai assegurar apenas essa diferença. Abre uma possível brecha para o Estado autorizar um crédito maior em uma transferência”, afirma a advogada.

Para Gustavo Vaz Faviero, coordenador tributário do escritório Diamantino Advogados Associados, o convênio, com a previsão do parágrafo único, não é tão positivo. “Ele diz que todos os créditos de operações anteriores só podem ser usados no Estado de origem se eles forem superiores ao que você transferir. Só esse saldo que pode ser usado”, afirma.

A transferência, na visão dele, continua obrigatória. “A origem só vai ficar com aquele valor que excedeu o critério de cálculo, ou seja, sou obrigado a mandar o crédito”, completa.

Maurício Barros, sócio do escritório Cescon Barrieu, pensa da mesma forma. “O convênio tenta passar uma imagem de que não é mais obrigatório transferir, na cláusula primeira, mas diz que a origem só está obrigada a aceitar a diferença do que está escriturado menos o que seria transferido”, afirma o advogado.

Para Barros, essa medida basicamente equivale a uma incidência do tributo. “Estão travestindo um débito de transferência de crédito”, diz. O objetivo com a norma, segundo ele, é não deixar os contribuintes acumularem créditos nos Estados de origem para não comprometer a arrecadação dos governos.

Procurado pelo Valor, o Conselho Nacional de Política Fazendária não deu retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico