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A automatização do pagamento de tributos deve reduzir a sonegação de impostos sobre o consumo em R$ 150 bilhões por ano, segundo estimativas do Ministério da Fazenda. Essa é uma das ferramentas previstas pelo governo na Reforma Tributária para reduzir a alíquota que é cobrada de cada contribuinte atualmente.

O texto principal de regulamentação da reforma está parado desde que chegou ao Senado, em meados de agosto. Com o fim do “recesso branco” por causa das eleições municipais e a retirada de urgência do projeto pelo governo, a expectativa é que agora tenha início a tramitação formal do texto na Casa.

Segundo Daniel Loria, um dos principais assessores de Bernard Appy na Secretaria Especial de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, a perda de arrecadação com sonegação, fraude ou inadimplência é calculada atualmente em torno de R$ 250 bilhões todos os anos. Por isso, diz Loria, o novo sistema operacional para a cobrança de impostos é o “coração” da reforma e uma “ferramenta poderosa” para enfrentar esse problema.

Na prática, quem paga os impostos em dia terá um alívio na alíquota cobrada com a recuperação pelo governo de parte da arrecadação perdida com sonegação, inadimplência ou fraude. Só a automatização deve ser responsável por uma queda de três pontos percentuais do imposto criado com a reforma que passará a valer a partir de 2026.

Alíquota menor
O governo previu inicialmente alíquota de 26,5% para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), parte estadual e municipal do novo tributo, e para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o braço federal. Mas o número subiu para 28% após mudanças feitas no projeto de regulamentação pela Câmara, como a inclusão de carnes na cesta básica.

— A arrecadação não aumenta, é estável, essa arrecadação não é da União, é do povo brasileiro, que vai pagar uma alíquota menor. Não vai ter aumento de arrecadação — disse Loria ao GLOBO. — Vamos pegar esse dinheiro que o governo não arrecada e democratizar para toda a sociedade. Antes, era o sonegador que não pagava, quem tinha o benefício (fiscal) não pagava. A reforma vai possibilitar uma alíquota mais baixa para todo mundo, com a mesma carga tributária — explicou, acrescentando que o fim dos benefícios fiscais do ICMS produzirão o mesmo efeito.

A automatização do processo envolve a apuração dos impostos em tempo real pela administração tributária e o chamado split payment, sistema que vai permitir o recolhimento dos tributos ao Fisco no momento do pagamento do bem ou serviço. Além disso, a apuração será consolidada, com um único cadastro por empresa para todo o país. Hoje, é necessário um registro para cada estado ou município em que a empresa está instalada.

Dentro da administração pública, já está em andamento o desenvolvimento de partes do sistema pela União, estados e municípios. Para colocá-lo de pé, primeiro é necessário vincular as informações tributárias contidas nas notas fiscais eletrônicas ao sistema da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS.

Atualmente, ao fim de cada mês, a empresa, em geral, tem de enviar uma declaração ao Fisco informando qual é o imposto devido, com base nas vendas realizadas e no crédito tributário que tem direito. A ideia é que o Fisco já tenha essa informação no momento da emissão da nota e, com o split payment, receba o valor a que tem direito quando o pagamento for realizado.

Na semana passada, foi criado um grupo de trabalho com participantes do governo e do setor privado para discutir o desenvolvimento do novo sistema operacional. Ainda não foram escolhidas as associações do setor privado que vão montar o sistema junto com o governo, mas Loria afirma que já houve alguns avanços em conversas informais com os meios de pagamento (que vão operar o sistema) e as empresas de tecnologia.

Idealmente, a separação dos tributos e do valor do produto em si, enviado ao vendedor, será automática. Para isso, é necessário que a tecnologia permita que os bancos e demais instituições de pagamento consigam se comunicar com o Fisco em tempo real para verificar se a empresa tem créditos fiscais para abater.

Deve ser mais fácil começar com uma comunicação off-line entre os sistemas de pagamento e a administração tributária. Nesse caso, o banco vai reter todo imposto devido, conforme a nota fiscal, e enviar para a administração tributária. Em seguida, o Fisco vai verificar se a empresa tem créditos e, se for o caso, devolver parte do valor em até três dias úteis para o vendedor.

Há ainda a modalidade, que deve ser usada pelos varejistas, em que será possível fixar uma alíquota média de retenção mensal e fazer o encontro de contas no fim de cada período.

Ainda está em aberto quem vai pagar a conta pelo desenvolvimento e gestão do sistema. O texto aprovado na Câmara diz que União e o Comitê Gestor do IBS deverão aprovar orçamento para desenvolvimento, operação e manutenção do split payment.

Dificuldades
Loria diz que não está descartado copiar a implementação do Pix, que é obrigatório para as maiores instituições financeiras e gratuito para pessoas físicas. Recentemente, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, contou que o custo anual para manter o Pix é de US$ 10 milhões.

— O split vai requerer mais desenvolvimento. Mesmo assim, seria tão positivo para a sociedade, que é um custo-benefício que vale a pena para o governo. É uma questão que está em aberto se o banco vai ser remunerado ou não.

Loria afirma que as empresas de pagamento também ficam receosas de o split incentivar a fuga de contribuintes de pagamentos eletrônicos para o dinheiro, já que será impossível a sonegação no modelo de arrecadação em tempo real.

Outra resistência vem das empresas, preocupadas com o fluxo de caixa. A Associação Brasileira de Empresas Abertas (Abrasca) defende que o split só seja obrigatório quando houver um sistema de abatimento de créditos tributários em tempo real.

Fonte: O Globo