Desde o julgamento da chamada “tese do século”, que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, os tribunais superiores têm decidido, majoritariamente, de forma favorável ao fisco nas chamadas “teses filhotes” – casos que discutem a possibilidade de excluir tributos da base de outros tributos.
Levantamento do escritório Daudt, Castro e Gallotti Olinto mostra que, dos dez julgamentos realizados no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) após o Tema 69, apenas dois foram favoráveis aos contribuintes. Outros sete casos levados ao STF tiveram repercussão geral negada – o que significa que a Corte não analisou o mérito por entender que não havia matéria constitucional em debate. Nesses casos, cabe ao STJ dar a palavra final sobre o assunto.
Mudança de composição
Na avaliação dos tributaristas do escritório, o cenário desfavorável aos contribuintes reflete tanto uma mudança de posicionamento quanto de composição do STF. “Boa parte das teses que vinham sendo decididas favoravelmente aos contribuintes foram julgadas por ministros que já se aposentaram”, explica o advogado Rafael Bragança. Dos que votaram a favor dos contribuintes no julgamento do Tema 69, apenas Cármen Lúcia e Luiz Fux continuam na Corte.
Para os advogados, a mudança na composição do Supremo influenciou, por exemplo, os julgamentos dos Temas 1048 e 1135, que discutiram, respectivamente, a inclusão do ICMS e do ISS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). O STF não aplicou nesses casos o entendimento fixado no Tema 69. Segundo o tributarista Rodrigo Fragoas, prevaleceu a visão de que a CPRB é um benefício fiscal concedido pelo governo – e, por isso, sua base de cálculo não poderia ser alterada pelo Judiciário sem previsão orçamentária.
Embora o STF não tenha considerado que os Temas 1048 e 1135 sejam desdobramentos diretos da tese do século, escritório os classifica como “teses filhotes” por também tratarem da exclusão de tributos da base de outros tributos – mesmo critério aplicado aos demais casos analisados no levantamento.
Além da nova composição da Corte, o cenário fiscal do país também é apontado pelos tributaristas como um fator relevante. Desde o julgamento da tese do século, a União já arcou com R$ 346 bilhões em compensações tributárias. Em meio a um cenário de ajuste fiscal, o impacto da tese motivou o Executivo a atuar de forma mais próxima dos tribunais superiores para evitar novos rombos nas contas públicas.
No total, entre os dez casos mapeados no STF e no STJ, três foram analisados pelo Supremo. Além dos Temas 1048 e 1135, a Corte também decidiu manter o PIS, a Cofins e o ISS na base de cálculo do ISS, no ARE 1522508.
Os tributaristas explicam que, de modo geral, o STF e o STJ têm interpretado de forma restritiva os efeitos da decisão no Tema 69. Os tribunais não entendem que ela tenha estabelecido uma regra geral de que um tributo não pode incidir sobre outro, mas sim que os tributos não podem estar incluídos na base de cálculo do PIS e da Cofins.
No STJ essa leitura também vem prevalecendo. O levantamento mostra que, das sete decisões analisadas pela corte, cinco foram favoráveis ao Fisco. A mais recente foi no Tema 1223, em que a 1ª Seção decidiu manter o PIS e a Cofins na base de cálculo do ICMS.
Julgamentos favoráveis
Segundo o levantamento, as cortes superiores têm dois entendimentos favoráveis aos contribuintes em teses filhotes da tese do século. Ambos foram analisados pelo STJ.
No REsp 1896678/RS, a 1ª Seção decidiu, por unanimidade, que o ICMS-ST não integra as bases de cálculo do PIS e da Cofins. Para os ministros, a mera mudança na sistemática de recolhimento do ICMS não altera o fato de que o imposto não se incorpora ao patrimônio do contribuinte.
Já no REsp 2128785/RS, também por unanimidade, a 1ª Turma entendeu que o diferencial de alíquota (difal) do ICMS não deve ser incluído na base do PIS e da Cofins. A relatora, ministra Regina Helena Costa, ressaltou que o caso envolvendo o difal de ICMS é uma tese “filhote” do Tema 69, sendo aplicável o entendimento fixado pelo STF.
Na visão dos tributaristas, essas decisões também refletem a interpretação restritiva que os tribunais vêm adotando sobre o alcance da tese do século: não se trata de proibir que um tributo componha a base de outro, mas sim de reconhecer que, no caso específico do PIS e da Cofins, certos tributos não devem integrar sua base de cálculo.
Casos pendentes
Ainda restam quatro teses filhotes pendentes no STF, segundo o levantamento do escritório:
Tema 1186: exclusão do PIS e da Cofins da base de cálculo da CPRB;
Tema 1067: inclusão de PIS e Cofins em suas próprias bases de cálculo;
Tema 843: exclusão de créditos presumidos de ICMS da base do PIS/Cofins;
Tema 118: exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Fragoas avalia que o julgamento do Tema 1186 deve seguir a lógica dos Temas 1048 e 1135, com provável resultado desfavorável aos contribuintes, já que também envolve a base de cálculo da CPRB. Já os outros três casos, na visão do escritório, têm mais chances de sucesso. “A gente acredita que esses temas têm uma conexão mais direta com a tese do século. Por isso, seria mais difícil para os ministros afastarem esse precedente, como fizeram nos casos da CPRB”, diz o advogado.
Além disso, ainda estão pendentes no STJ dois julgamentos relevantes:
Tema 1276: exclusão da CPRB da base de cálculo do PIS e da Cofins;
Tema 1304: exclusão do ICMS e do PIS/Cofins da base de cálculo do IPI.
Diante desse cenário, os advogados destacam que os próximos julgamentos, tanto no STF quanto no STJ, serão determinantes para definir os limites da aplicação da tese do século. Se prevalecer a leitura mais restritiva, os tribunais devem consolidar o entendimento de que a exclusão de tributos da base de cálculo se limita ao PIS e à Cofins – sem irradiar efeitos mais amplos sobre outros impostos e contribuições.
Fonte: Jota