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O governo avalia alternativas para evitar um aumento abrupto da carga tributária das empresas brasileiras que atuam no exterior a partir de 2025. No final deste ano, deixa de vigorar o crédito presumido de 9% concedido a indústrias brasileiras com atuação no exterior e a consolidação global das subsidiárias estrangeiras, que permite compensar o lucro de uma com prejuízo de outra.

“Estamos avaliando se simplesmente prorrogamos por mais dois anos ou se fazemos uma revisão mais estrutural dessas regras, aproveitando o contexto do Pilar 2”, disse ao Valor o diretor de programa da Secretaria Especial da Reforma Tributária Daniel Loria. “Estamos analisando o assunto e não vamos ficar parados.”

O crédito presumido e a consolidação global fazem parte da chamada Tributação em Bases Universais (TBU), que busca evitar a dupla tributação de empresas brasileiras que atuam no exterior.

Na avaliação do tributarista Breno Vasconcelos, professor do Insper, a prorrogação do TBU “seria uma medida importante para garantir a competitividade das empresas brasileiras com investimentos no exterior”.

“Atualmente, os lucros de controladas no exterior são tributados no Brasil a uma alíquota nominal de 34%, bem acima da média praticada por países membros da OCDE (em 2022, aproximadamente 23,3%). Essa alíquota elevada cria um fator negativo para as empresas que possuem atividades produtivas no exterior”, afirmou. “O crédito presumido de 9% de CSLL reduz essa desigualdade, deixando as multinacionais brasileiras em condições de concorrer no exterior com as multinacionais com sede em países da OCDE.”

Há entre especialistas o temor que essas regras se choquem, de alguma forma, com o chamado Pilar 2, que estabelece a tributação mínima de 15% sobre multinacionais, anunciada pelo governo há duas semanas. Loria avalia que não há incompatibilidade.

O Pilar 2 é um esforço internacional coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cujo intuito é barrar a erosão tributária por meio da transferência de empresas para paraísos fiscais.

Depois de dez anos de estudos, o Brasil iniciou sua aproximação com essa iniciativa, com a adoção das Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (GloBE), com a edição da Medida Provisória (MP) nº 1.262/24. Outros 36 países já fizeram o mesmo. As regras GloBE são parte do Pilar 2.

“A interação entre as regras de tributação dos lucros em bases universais e a tributação mínima global baseada nas Regras Globais contra a Erosão da Base Tributária, ou Regras GloBE, elaboradas no âmbito da OCDE, é um tema de grande relevância para as empresas brasileiras sujeitas a ambas as normas”, disse a tributarista Ana Lúcia Marra, sócia do escritório Machado Associados.

Uma questão, afirmou ela, é se os países onde empresas brasileiras atuam levarão em conta o Imposto de Renda (IRPJ) e a CSLL recolhidos aqui em decorrência do lucro de investidas no exterior para verificar se a alíquota efetiva mínima foi atingida.

Outro ponto central nessa discussão é se o TBU brasileiro seria equivalente aos Controlled Foreign Company Tax Regimes (CFC) referido nas Regras GloBE da OCDE. As regras CFC, disse ela, são usualmente aplicadas quando há evidências de condutas abusivas que possam resultar na transferência de lucros para países de baixa tributação. Já o TBU brasileiro se aplica de forma geral. O tratamento do lucro é diferente em cada regra.

“Será necessário verificar se os demais países que implementaram as Regras GloBE considerarão o IRPJ e a CSLL como tributos pagos sobre os lucros das investidas em outros países, ao invés de sobre os lucros da investidora no Brasil, de forma a não resultar em uma dupla tributação”, afirmou a advogada. “Nesse ponto, a conclusão dependerá principalmente da interpretação dada pelos demais países sobre o enquadramento das regras brasileiras de tributação em bases universais como regras CFC.”

A MP provocou reação contrária da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), que chamou a proposta de “MP da Concorrência Desleal” e disse que a estratégia do governo de buscar o ajuste fiscal pelo aumento das receitas se esgotou.

O grupo parlamentar considera que a MP “privilegia o lucro das empresas estrangeiras em detrimento das nacionais”. Isso porque, no entendimento da entidade, as empresas brasileiras suportarão carga tributária de 34% do IRPJ e da CSLL, enquanto as estrangeiras pagarão 15%.

“A nota está incorreta ao dizer que há cargas tributárias diferentes para empresas brasileiras e para empresas estrangeiras”, afirmou Loria.

O que a medida provisória faz, explicou o diretor, é estabelecer uma régua mínima para o pagamento de impostos sobre o lucro no Brasil. A alíquota nominal aplicada no país é de 34%, se forem somados o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. É a mesma carga para nacionais e estrangeiras.

A MP estabelece que se o pagamento efetivo de tributos, após deduções e eventuais tratamentos especiais, ficar abaixo dos 15%, será cobrado um adicional da CSLL para que seja recolhido o patamar mínimo.

Dado que a tributação mínima tende a ser adotada no mundo todo, o que a MP faz na prática é assegurar que eventual diferença cobrada para atingir os 15% seja recolhida no Brasil, e não em outro país.

“Estamos seguindo a regra do jogo, de um acordo internacional com o qual o Brasil já havia se comprometido e no qual trabalhamos há dez anos”, afirmou o diretor. “Não tem tratamento diferente para nacional e estrangeiro, não tem aumento de carga tributária, é um patamar mínimo de 15% que a maioria das empresas já cumpre.”

A regra será aplicada a grupos com faturamento a partir de 750 milhões de euros ao ano. Dados da Receita apontam que, das 7.980.287 empresas ativas no Brasil em 2022, apenas 0,11% (8.704) se enquadra nesse critério. Dessas, 957 estão em grupos com baixa tributação.

O detalhamento sobre aplicação da MP está em consulta pública, ou seja, os interessados podem sugerir alterações.

A tributação mínima produzirá efeitos na arrecadação a partir de 2025, quando devem ingressar R$ 3,44 bilhões. No ano seguinte, serão R$ 7,28 bilhões e, em 2028, R$ 7,69 bilhões. A expectativa do governo é que as receitas se estabilizem na faixa de R$ 8 bilhões ao ano.

Fonte: Valor Econômico